O Abade de Baçal na sua monumental obra encantados dos concelhos do Distrito de Bragança a «Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança», tomo IX, dedica algumas páginas às mouras e tesouros e
Ele identificou no concelho de Mirandela várias lendas de mouras encantadas e tesouros:
- Aguieiras –Pipela; Rigueirais e Fraga da Moura (aqui, uma caverna, onde cabe um homem de pé)
- Alvites – Freixo
- Barcel –Troxos (há galerias como de minas)
- Bouça –Muralha (há buracos nas fragas em duas filas, onde os mouros espetavam as bandeiras, segundo o povo, e uma vaca de ouro)
- Cabanelas – Salgueiros (lenda das duas panelas, uma de dinheiro e outra de peste)
- Fradizela –Freijoeira (há uma cabra de ouro)
- Frechas –Casa dos Mouros (há pedregulhos, ruínas e foi habitação dos mouros)
- Freixeda –Murinho (há uma galeria comprida, por onde cabe um homem de pé e no extremo escadas para descer para outra ou para um poço muito fundo; dizem que essa galeria dá a volta ao cabeço e no alto desse cabeço apareceram pias com muito dinheiro, das quais ainda se conhece o sítio onde estavam) e Salto Perigoso (anda uma cabra encantada, pulando de umas fragas para outras)
- Mascarenhas –Penedo (têm aparecido tijolos, fíbulas e antigualhas) e Cidade
- Navalho –Fonte da Canelha e Eixido (um menino de oiro nos dois sítios) e Fonte do Paço (lenda das panelas de oiro e peste)
- Pai Torto – Trás-das-Casas
- Rego de Vide - Pena
- São Pedro Velho –Trás-do-Cabeço, Serralhão, Calvário e Couço (em cada um destes sítios diz o povo que houve uma capela, e aparece telha de rebordo e vestígios de fortificações; ao penúltimo adscreve-lhe a lenda das duas panelas, uma de oiro e outra de peste)
- Torre de D. Chama –São Brás (lenda das duas panelas)
- Vale de Gouvinhas –Encruzilhada, Caneleiros e Alto da Marra (em cada um deles aparece, ao dar a meia noite, um cavaleiro gigante, montado em cavalo branco)
- Vale de Couço– Horta da Senhora (foi aqui onde apareceu a imagem de Nossa Senhora de Jerusalém do Romeu, onde lhe erigiram capela, mas ela, de noite, fugiu para o local da aparição, até que, por fim, tantas vezes a levaram que lá se resignou a ficar na capela)
- Vale de Lobo– Miselo (há vestígios de fortificações)
- Vale Martinho– Vale
- Vale de Prados de Ledra– Santa Juzenda (viveu lá mourama e há vestígios de fortificações) e Santa Bárbara (apareceu lá a Senhora, que o povo levou para as Múrias)
- Vale de Salgueiro– Muradelha, Muradela e Muro (neste há buracos dos mouros)
- Vale da Sancha– Cabeço Figueira e Orjais (neste há vestígios de fortificações e têm aparecido moedas romanas do império)
- Vale de Telhas– Cabeço (aí viveu mourama)
- Vila Nova das Patas– Poços
- Vila Verdinho– Cabeço da Lavandeira (há vestígios de fortificações)
- Vilares da Torre– Fonte Velha
Segundo o livro "Lendas Portuguesas", de Fernando Frazão, as mouras encantadas, são um dos temas mais comuns das lendas e superstições populares da Europa Ocidental. São classificadas como divindades maléficas, génios femininos das águas, guardiãs de tesouros encantados escondidos no centro da Terra.
Só na mitologia portuguesa desapareceu essa feição maléfica que estas entidades revestem noutras mitologias europeias. Contudo, podemos ver um derradeiro reflexo nalgumas tradições, ainda hoje em vigor no nosso país, executadas junto às fontes, à noite, sobretudo na noite de S. João.
O que é certo é que, de todas as criações do maravilhoso popular, esta é, indubitavelmente, uma das mais poéticas e melhor exemplificadoras da crença geral europeia.
Mas, porquê a designação de “mouras encantadas”? Logicamente, esta designação remonta à época do domínio árabe (mouro), na Europa Ocidental. Em Portugal, o domínio árabe inicia-se no ano de 711 e só em 1249 se desvanece por completo (em 1249, D. Afonso III toma Faro, Albufeira, Porches e Silves, marcando o fim da reconquista portuguesa; segue-se uma guerra entre Portugal e Castela pela posse do Algarve, que termina em 1253, com o Tratado de Paz). Fazendo as contas, são mais de 5 séculos de influência da cultura árabe.
Ora, sendo Portugal um país de tradição católica cristã, é normal que as “mouras” – de religião islâmica – que ficaram no nosso país fossem “encantadas” para não poderem exercer nenhuma influência.
No nosso país, é sobretudo como génios femininos das águas que as mouras encantadas são conhecidas, característica esta muito presente nas superstições que a elas se referem. As mouras vivem em ribeiros, regatos, poços e sobretudo em fontes. Pode dizer-se que quase não há fonte no país associada a uma lenda de moura encantada, ora em forma de cobra/serpente que pede aos viajantes que a desencantem; ora subtil donzela que promete infindáveis riquezas a quem lhe quebrar o encanto.
Segundo a wikipédia, texto principal deste trabalho, as Mouras encantadas são espíritos, seres fantásticos com poderes sobrenaturais, do folclore popular português. As mouras são também chamadas de moiras ou “encantadas”. Sobre elas, Leite de Vasconcelos diz que “são seres obrigados por oculta força sobrenatural a viverem em certo estado de sítio como que entorpecidos ou adormecidos, enquanto determinada circunstancia lhes não quebrar o encanto” [1]. Segundo antigos relatos populares, as mouras encantadas são as almas de donzelas que foram deixadas a guardar os tesouros que os mouros esconderam antes de partir.
As lendas descrevem as mouras encantadas como jovens donzelas de grande beleza ou encantadoras princesas e, segundo Alexandre Parafita, “perigosamente sedutoras” [2]. As mouras aparecem frequentemente cantando e penteando os seus longos cabelos, louros como o ouro ou negros como a noite, com um pente de ouro e prometem tesouros a quem as libertar do encanto. Nas lendas, as mouras encantadas podem assumir diversas formas e existe um grande número de lendas, e de versões da mesma lenda, como resultado de séculos de tradição oral.
As mouras surgem como guardiãs dos locais de passagem para o interior da terra, os locais "limite", onde se acreditava que o sobrenatural podia manifestar-se. Aparecem junto de nascentes, fontes, pontes, rios, poços, cavernas, antigas construções, velhos castelos ou tesouros escondidos.
A Princesa Moura é uma muçulmana encantada que habita um castelo e apaixona-se por um cavaleiro cristão do tempo da Reconquista. A Lenda da Moura Salúquia é uma outra variante, em vez de um cristão, o amor da Princesa Moura é um mouro, um muçulmano. Muitas destas lendas tentam explicar a origem de uma cidade e evocam personagens históricas, outras lendas apresentam um carácter religioso como acontece na lenda de Oureana. No contexto histórico os lugares, as pessoas e acontecimentos situam-se num mundo real e existe uma localização temporal bem definida. No entanto, é possível que factos reais se tenham simplesmente fundido com antigas narrativas lendárias.
A Moura-Fiandeira, segundo as lendas, transporta pedras sobre a cabeça e fia com uma roca à cintura. A tradição popular atribui a estas mouras a construção de castros, citânias, e outros monumentos megalíticos. As moedas antigas encontradas nas citânias e castros eram chamadas de "medalha das mouras". A Pedra Formosa encontrada na Citânia de Briteiros terá sido, segundo narrativas populares, levada à cabeça para este local por uma moura que fiava uma roca.
A Pedra-Moura é uma outra variante de moura encantada. Conta-se que quem se sentasse numa destas pedras ficaria encantado, ou se alguma pedra encantada fosse levada para casa os animais poderiam morrer. Acreditava-se, também, que as "Pedras moura" guardavam riquezas encantadas [3]. Existem várias lendas em que a moura em vez de ser uma pedra vivem dentro de uma pedra. Na tradição popular diz-se que no penedo «entra-se para dentro» e «sai-se de dentro» dizer possivelmente relacionado com as lendas das mouras. A moura é, também, descrita a viajar para a mourama sentada numa pedra que pode flutuar no ar ou na água. Dentro de grutas e debaixo das pedras muitas lendas falam que existem palácios com tesouros.
A Moura-Serpente é uma moura encantada que pode tomar a forma de uma serpente. Algumas destas mouras serpentes, ou mouras cobra como também são chamadas, podem ter asas e podem aparecer como meio mulher meio animal como na lenda da serpente de Noudar ou do Monte d'Assaia.
A Moura-Mãe toma a forma de uma jovem encantada que está grávida e a narrativa centra-se na busca de uma parteira que ajude no nascimento e na recompensa que lhe é dada.
A Moura-Velha é uma mulher idosa; as lendas em que aparecem mouras com figura de velha não são frequentes.
O ouro das Mouras pode aparecer em variadas formas: figos, pedras, carvões, saias, meadas, animais e instrumentos de trabalho. Existem diferentes meios de se obter o ouro: pode ser oferecido pela moura como recompensa, roubado, ou achado. Frequentemente ouro está dentro de um vaso, escondido dentro de panelas enterradas, ou outros recipientes, o que já levantou a questão se seria alguma alusão a uma urna cinerária.
O dia de São João é o dia em que se acredita que as mouras aparecem com os seus tesouros e que se pode quebrar o seu encantamento. Em algumas lendas é no dia de São João que a moura encantada espalha os figos num penedo, ao luar. Noutras variantes a moura espalha os figos ou a meada de ouro ao sol em cima do penedo. Estas lendas estão possivelmente relacionadas com a tradição popular de, nalgumas regiões, apanhar-se no dia de São João o figo lampo, um figo branco, que se levava de presente. O dia de São João marca a data do solstício de verão, sendo a sua referência talvez a reminiscência de algum culto solar pagão.
A fonte é um dos locais que as mouras aparecem frequentemente e muitas vezes como serpentes e às suas águas muitas vezes se atribuíam virtudes mágicas como a Fonte da Moura Encantada. Também é do costume popular dizer de quem casou em terra alheia que “bebeu da fonte” e ficou enamorado numa alusão às lendas em que os jovens se apaixonam e ficam encantados pelas mouras.
Para se realizar o desencantamento da moura, pode ser solicitado segredo, um beijo, um bolo ou pão sem sal, leite, o pronunciamento de algumas palavras, ou realização de alguma tarefa como não olhar para algo velado e aguentar a curiosidade. Falhar é não desencantar a Moura e “dobrar o encanto”, não obter o tesouro desejado ou perder a moura amada. Nas lendas em que é solicitado o pão levanta-se a hipótese de estarem relacionadas com a antiga tradição de se oferecer alimento aos defuntos. Do mesmo modo podem estar relacionado o leite com as oferendas que se faziam às águas das fontes e às cobras. A população mais antiga contava também que as cobras gostavam muito de leite. Uma das lendas das mouras de Formigais faz referencia à preferência que as mouras tinham por leite.
A moura quando desencantada pode tornar-se humana e casar com o seu salvador ou desaparecer. Na “Lenda do cinto da moura” depois de desencantada os mouros tentam encantar a moura de novo e fazer com que a moura retorne à mourama.
O encantamento da moura pode ser causado pelo pai ou algum outro mouro que a deixou a guardar os tesouros, geralmente é uma figura masculina. São geralmente os mouros que têm o poder de encantar as mouras. Nas lendas, a moura pode aparecer sozinha, acompanhada de outras mouras encantadas ou de um mouro, sendo que o mouro pode ser um pai, a pessoa amada, ou um irmão.
A mourama [4] é um local mágico onde moram os mouros encantados. Nas lendas com um contexto histórico é o local onde os mouros muçulmanos vivem.
O tempo da mouraria representa, nas lendas, um tempo incerto no passado, a mesma referencia intemporal do “Era uma vez”, ou o “Há muito tempo” com que começam os contos de fadas.
As mouras eram associadas a vários fenómenos naturais ou elementos da natureza. Acreditava-se que o eco era a voz das mouras. Algumas lendas contam que há locais onde ainda é possível ouvir uma moura a chorar.
Os monumentos funerários são frequentemente associados às mouras. Em algumas regiões as antas são chamadas popularmente de mouras, ou Casa da Moura e antigamente acreditava-se que as mouras viviam nestas construções. A Pedra da Moura, Antas de Pala da Moura, e a Anta da Arquinha da Moura são exemplo dos monumentos associados às lendas. Outro tipo de sepultura associada às mouras são as sepulturas cavadas na rocha, como é o caso de Cama da Moura, Cova da Moura e Masseira. Segundo a narrativa popular a sepultura chamada Masseira era o lugar onde a “moura amassava o pão” [5]. Numa outra versão da lenda, o monumento pré-histórico Pedra Escrita é o local da sepultura de uma moura.
A lenda do ouro das mouras atraiu alguns caçadores de tesouros. Na busca dos tesouro, as escavações feitas nos locais onde as lendas diziam haver tesouros causaram a destruição de alguns monumentos históricos como mamoas e antas.
Possivelmente o "Pseudo-Turpin" (Liber IV do Liber Sancti Jacobi) [citação] pode ter influenciado, no passado, a crença de que haveria tesouros enterrados pelos mouros.
Julga-se que a lenda das mouras terá a sua origem em tempos pré-romanos. As mouras encantadas apresentam várias características que se encontram presentes na Banshee das lendas Irlandesas. Também na mitologia Basca os Mairu (mouros) são os gigantes que construíram os dólmenes e os cromeleques. Na Sardenha podemos encontrar os domus das Janas (casa das fadas).
Leite de Vasconcelos levantou a hipótese de as mouras encantadas poderem ter assimilado as características de divindades locais, como ninfas e espíritos da natureza. O mesmo juízo fazia Consiglieri Pedroso ao considerar as mouras "génios femininos das águas" [6].
Na Península Ibérica as lendas de mouras encantadas encontram-se também na mitologia Galega e Asturiana. Na tradição oral portuguesa, as Janas são uma outra variante de donzelas encantadas.
Especula-se que o termo moura (moira) possa derivar da palavra grega "moira", μοίρα, que literalmente significa "destino" e da deusa Moira, originária da mitologia Grega. Também se considera uma possível origem a palavra latina "maurus", "obscuro", nome dado aos nativos da Mauritânia.
Outra corrente indica que a origem poderá vir das palavras celtas "mori" que significa mar ou "mori-morwen" que designa sereia provavelmente relacionadas também com as ondinas ou as ninfas, os espíritos sub-humanos que habitavam nos rios e nos cursos de água.
Uma outra possível origem de moura (moira), também de origem celta, é "mahra" e "mahr", que significa espírito.
Uma das referências literárias medievais às mouras encantadas encontra-se na peça Cortes de Júpiter de Gil Vicente representada em 1521:
“Este romance cantam os planetas e sinos a quatro vozes, pera com as palavras dele e música desencantarem a moura Tais de seu encantamento, a qual entra com o terçado e anel e didal de condão, que Mars disse que ela tinha em seu poder, [...]”
As últimas décadas do século XIX foram marcadas por alguns esforços para se criar um registo escrito das lendas das mouras encantadas. Almeida Garrett, frequentemente citado como um dos pioneiros na recolha de lendas, faz referência às mouras encantadas no poema D. Branca:
E vós, formosas mouras encantadas,
Na noite de S.João ao pé da fonte,
Áureas tranças com pentes de ouro fino
Descuidadas penteando - enquanto o orvalho
Nas esparsas madeixas arrocia
E os lindos anéis de perlas touca.
Vários registos de lendas foram feitos nos séculos XIX e XX por Gentil Marques, Fernanda Frazão e Leite de Vasconcelos.
Referências
- Vasconcelos, José Leite. (1938). Opúsculos (Ed), Volume V , Etnologia (Parte I), Lisboa Imprensa Nacional, p. 496 [1]
- Leal, Filipa. (10 Abril 2006), Que mouros são esses?, in PJ, Diário de Trás-os-Montes[2]
- Brandão,Abílio.(1911). Lendas de Mouras encantadas. Revista Lusitana, Volume XIV, Livraria Clássica Editora, Lisboa [3]
- Sarmento, Francisco Martins; A Mourama, Revista de Guimarães, n.º 100, 1990, pp. 343-353 [4]
- Tente, Catarina; Lourenço, Sandra.(1998) Sepulturas Medievais escavadas nas rochas dos Conselhos de Carregal do Sal e Gouveia: estudo comparativo, Revista Portuguesa de Arqueologia,(1.2)[5]
- Medicina na Beira interior da Pré-História ao século XX,nº13 1999, Cadernos de cultura, Ediraia [6]